sexta-feira, janeiro 29, 2010

O essencial é invisivel aos olhos



XXI
E foi então que apareceu a raposa:
- Bom dia! -disse a raposa.
- Bom dia! - respondeu delicadamente o principezinho que se voltou mas não viu ninguém.
- Estou aqui - disse a voz -debaixo da macieira...
- Quem és tu? - perguntou o principezinho. - És bem bonita...
- Sou uma raposa - disse a raposa.
- Anda brincar comigo - pediu-lhe o principezinho - Estou tão triste...
- Não posso brincar contigo - disse a raposa. - Não estou presa…
- Ah! Então, desculpa! - disse o principezinho.
Mas pôs-se a pensar, a pensar, e acabou por perguntar:
- O que é que “estar preso” quer dizer?
- Vê-se logo que não és de cá - disse a raposa. - De que é que tu andas à procura?
- Ando à procura dos homens - disse o principezinho. - O que é que “estar preso” quer dizer?
- Os homens têm espingardas e passam o tempo a caçar - disse a raposa. - É uma grande maçada! E também fazem criação de galinhas! Aliás, na minha opinião, é a única coisa interessante que eles têm. Andas à procura de galinhas?
- Não - disse o principezinho. - Ando à procura de amigos. O que é que “estar preso” quer dizer?
- É uma coisa que toda a gente se esqueceu - disse a raposa. - Quer dizer que se está ligado a alguém, que se criaram laços com alguém.
- Laços?
- Sim, laços - disse a raposa. - Ora vê: por enquanto, para mim, tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil outros rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu não sou senão uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas, se tu me prenderes a ti, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E, para ti, eu também passo a ser única no mundo…
- Parece que começo a perceber - disse o principezinho - Sabes, há uma certa flor… tenho a impressão que estou preso a ela…
(…)

Mas a raposa voltou a insistir na sua ideia:
- Tenho uma vida terrivelmente monótona. Eu, caço galinhas e os homens, caçam-me a mim. As galinhas são todas iguais umas às outras e os homens são todos iguais uns aos outros. Por isso, às vezes, aborreço-me um bocado. Mas, se tu me prenderes a ti, a minha vida fica cheia de Sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Estar a ver, ali adiante, aqueles campos de trigo? Eu não como pão e, por isso, o trigo não me serve para nada. Os campos de trigo não me fazem lembrar nada. E é uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do ouro. Então, quando eu estiver presa a ti vai ser maravilhoso! Como o trigo é dourado, há-de fazer-me lembrar de ti. E hei-de gostar do barulho do vento a bater no trigo…
A raposa calou-se e ficou a olhar durante muito tempo para o principezinho.
- Por favor... Prende-me a ti! – acabou finalmente por dizer.
(…)

- E o que é que é preciso fazer? - perguntou o principezinho.
- É preciso ter muita paciência. Primeiro, sentas-te um bocadinho afastado de mim, assim, em cima da relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas todos os dias te podes sentar um bocadinho mais perto…
O principezinho voltou no dia seguinte.
- Era melhor teres vindo à mesma hora – disse a raposa. Se vieres, por exemplo, às quatro, às três, já eu começo a ser feliz. E quanto mais perto for da hora, mas feliz me sentirei. Às quatro em ponto já hei-de estar toda agitada e inquieta: é o preço da felicidade! Mas se chegares a uma hora qualquer, eu nunca saberei a que horas é que hei-de começar a arranjar o meu coração, a vesti-lo, a pô-lo bonito… São precisos rituais.
- O que e um ritual? - perguntou o principezinho.
- Também é uma coisa de que toda a gente se esqueceu – respondeu a raposa. – É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias, diferente das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, têm um ritual, À quinta-feira, vão ao baile com as raparigas da aldeia. Assim, a quinta-feira é um dia maravilhoso. Eu posso ir passear para as vinhas. Se os caçadores fossem ao baile num dia qualquer, os dias eram todos iguais uns aos outros e eu nunca tinha férias.
Foi assim que o principezinho prendeu a si a raposa. E quando chegou a hora da despedida:
(…)

- Adeus…
- Adeus - disse a raposa. - Vou-te contar o tal segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos…
- O essencial é invisível para os olhos - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa… - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Os homens já se esqueceram desta verdade - disse a raposa. - Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que está preso a ti. Tu és responsável pela tua rosa…

Antoine de Saint-Exupéry In O Principezinho

2 comentários:

Eliana Machado disse...

Uma lição de crianças para todos os adultos.

Nem sempre é bem conseguido...

B. disse...

Bem verdade. Já agora aproveito para agradecer o livro. Foi uma boa prenda. :D

Beijinho,
Bruno.